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quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Dia da Juventude no Brasil

22 de Setembro

POR UMA HISTÓRIA DA JUVENTUDE BRASILEIRA
No poema “Metamorfoses” o poeta romano Ovídio compara as fases da vida humana com as estações do ano. Para ele, a infância é semelhante à primavera, nessa fase “tudo floresce, o fértil campo resplandece com o colorido das flores, mas ainda falta vigor às folhas”; a juventude é o verão, “quadra mais forte e vigorosa que é a robusta mocidade, fecunda e ardente”. O outono que é a quadra da maturidade, o meio-termo entre o jovem e o velho”, passado o outono, vem enfim o inverno que é o “velho trôpego, cujos cabelos ou caíram como as folhas das árvores, ou, os que restaram, estão brancos como a neve dos caminhos.”
“O verão escolhido por Ovídio para simbolizar a juventude representa bem essa fase da vida humana que é realmente “fecunda e ardente”. O verão é a estação das tempestades, das altas temperaturas, ora é o Sol, ora é a chuva. Na juventude também é assim, acontece tempestade de emoções, as paixões são mais ardentes e os sentimentos sofrem constantes oscilações. “São momentos de crise, individual e coletiva, mas também de compromisso entusiástico e sem reservas: e, no fundo, não vamos encontrar os jovens na linha de frente das revoltas e das revoluções”?” (LEVI & SCHMITT, 1996;12)
Ao discutir sobre a tematização social da juventude no Brasil, a socióloga Helena W. Abramo (1997; 25) destaca o crescimento de estudos desenvolvidos sobre o tema nas universidades e a atenção conferida aos jovens nos últimos anos por parte dos meios de comunicação de massa, das instituições governamentais e não governamentais. No entanto, a maioria desses estudos tem sido desenvolvidos nos campos da Sociologia, Psicologia, Pedagogia e Antropologia. A História pouco tem trabalhado o tema.
A Associação Nacional dos Professores Universitários de História (ANPUH) lançou em 1995 um catálogo (CAPELATO: 1995) em três volumes, contendo a produção histórica do Brasil relativa às dissertações de mestrado e doutorado defendidas entre 1985 e 1994 junto aos 191 Programas de Pós-Graduação em História. Nele, encontramos apenas dois trabalhos sobre a juventude.
Em “História dos Jovens: da antiguidade à era moderna” e “História dos Jovens: a época contemporânea”, ambos publicados em 1996, os autores Giovanni Levi e Jean-Claude Schmitt reúnem pela primeira vez uma coletânea de ensaios que versam sobre a juventude do ponto de vista histórico. A história da juventude para os autores “se configura como um terreno privilegiado de experimentação historiográfica” (1996, p. 10).
Por tratar-se de um objeto relativamente novo para os historiadores, algumas considerações tecidas pelos autores são de fundamental importância para aqueles que desejam pisar nesse “terreno” e se aventurar nessa “experimentação historiográfica”. Os historiadores não devem perder de vista que a juventude é uma construção social e cultural, “em nenhum lugar, em nenhum momento da história, a juventude poderia ser definida segundo critérios exclusivamente biológicos ou jurídicos. Sempre e em todos os lugares, ela é investida também de outros valores” (LEVI & SCMITT, 1996:14). É importante ainda destacar outros aspectos, como a questão da transitoriedade, não se é jovem, se está jovem, “pertencer à determinada faixa etária — e à juventude de modo particular — representa para cada indivíduo uma condição provisória. Mais apropriadamente, os indivíduos não pertencem a grupos etários, eles os atravessam” (op cit; 08-09). A desigualdade entre as classes sociais e a diferença entre os sexos também não devem ser esquecidas.
A biologia divide a juventude em duas fases: a pré-adolescência (de 10 a 14anos) e a adolescência (de 15 a 19 anos). Para a Sociologia, a juventude começa aos 15 e termina aos 24 anos. Estas ciências têm já definido o limite certo do período em que começa e termina a juventude, o que não ocorre na História. O historiador precisa definir o que é ser jovem, conforme o período e a sociedade estudados. Tempo, espaço e cultura são essenciais para a compreensão do sentido de Juventude em história, pois “essa época da vida, não pode ser delimitada com clareza por quantificações demográficas nem por definições de tipo jurídico, e é por isso que nos parece substancialmente inútil tentar identificar e estabelecer como fizeram outros, limites muito nítidos” (op cit. 08-09).
Para estudar os novos objetos da história, faz-se necessário repensar os conceitos, as categorias, as fontes e os métodos de investigação, até então, utilizados. Assim, o cinema, a música, a propaganda, a pintura, a charge, a foto, o panfleto, a poesia, o teatro, constituem fontes valiosas. Cabe ao historiador valer-se de toda a sua criatividade, utilizando essas fontes.
Metamorfose. Eis a palavra chave quando se trata de historiografia do século XX. As mudanças ocorridas na escrita da história nas ultimas décadas, sobretudo a partir dos anos 1970 e 1980, período em que culminou com uma explosão dos métodos, dos campos, dos canteiros e dos objetos da história, produzindo assim, uma verdadeira revolução no modo de fazer e de pensar a história. A reação contra o paradigma tradicional internacionalizou-se permitindo o desenvolvimento de estudos sobre temáticas e grupos sociais até então excluídos, como os prisioneiros, os imigrantes, os soldados, os homossexuais, as mulheres, as crianças, os escravos e também os jovens. Enfim, abriu-se um leque de possibilidades. O homem comum ganhou um papel que de fato e de direito sempre foi seu: protagonista da história.
Em 1974, Jacques Le Goff e Pierre Nora organizam na França uma série de livros com três volumes2 para discutir os novos caminhos da história. No primeiro volume é colocada a questão dos “novos problemas” da história; no segundo discute-se as novas abordagens; e no terceiro abordam os “novos objetos da história”, os jovens, juntamente com o clima, o inconsciente, o mito, as mentalidades, a língua, o livro, o corpo, a cozinha, a opinião pública, o filme e a festa, que aparecem como um desses novos objetos de investigação histórica.
De modo geral, os estudos sobre a juventude no Brasil privilegiam as manifestações juvenis partindo da década de 1950 em diante. Em cada uma delas, a juventude aparece caracterizada de uma forma. Por exemplo, na década de 1950 — chamada de “anos dourados” — a juventude ficou conhecida como “rebeldes sem causa” ou “juventude transviada”; na década de 1960 — “os anos rebeldes” — é tida como revolucionária; na década de 1990, fala-se de uma “geração shopping center”.
A partir da década de 1950, vive-se um momento de expressiva ascensão jovem que tem início nos Estados Unidos, principalmente, entre as classes média e alta. “A cultura juvenil tornou-se dominante nas economias de mercado desenvolvidas,” (HOBSBAWM, 1995, p. 320). É tecida uma identidade própria em torno dessa fase da vida humana, jamais vista na história. Começava a constituir-se uma consciência etária que acentuaria a oposição entre os grupos jovens e os não jovens. Um jovem nascido em Salvador em 1944, chamado Raul Santos Seixas, sócio do fã-clube “Elvis Rock Club” aos 16 anos, define bem essa construção de identidade jovem: “antes a garotada não era garotada, seguia o padrão do adulto, aquela imitação do homenzinho, sem identidade”. Naquela época, diz Raul: “Eu senti que ia ser uma revolução incrível. Na época eu pensava que os jovens iam conquistar o mundo”(CARRANO, 2001, p. 33).
Há épocas na história em que as mudanças parecem ocorrer com maior velocidade. A segunda metade do século XX foi uma dessas épocas. Ao analisar o século XX, Hobsbawm (1995; 24) destaca que uma das maiores transformações; em certos aspectos a mais perturbadora – fora a “desintegração de velhos padrões de relacionamento social humano, e, com ela, aliás a quebra dos elos entre as gerações, quer dizer, entre passado e presente”. Essa quebra de elos entre as gerações é sentida por Euli Tortorelli, nascida em 1941 e que vivenciou essas transformações “(...) da geração da minha vó para minha mãe quase não houve mudanças... um período que foi muito devagar, transformação quase não houve. Agora da minha geração, já pros meus filhos, foi um salto muito alto (...)”3.
É preciso que haja estudos consistentes que procurem ver a juventude brasileira além desses rótulos, uma vez que estes tendem a encobrir muitos outros aspectos. Hegel diz que “se você chama de criminoso alguém que cometeu um crime, você ignora todos aspectos de sua personalidade ou de sua vida que não são criminosos.” (apud CARRANO, 2000; 17). Essa proposição que se aplica em relação aos indivíduos também serve de lição para a história. Quando chamamos a juventude dos anos 1990 de “geração shopping center” ignoramos as suas várias outras facetas.
Os caminhos do fazer historiográfico são múltiplos. O cenário é de otimismo, os debates são fecundos e necessários. É preciso que não se tenha medo de ousar, criar, inovar e experimentar.
Notas
1. Programas de Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal de Goiás (UFGO), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNINOS/RS), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal de Campinas (UNICAMP), Universidade Estadual Paulista (UNESP/FRANCA), Universidade Estadual Paulista (UNESP/ASSIS), Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade de São Paulo (USP).
2. LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre. História: novos problemas. 4a ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995.
3. Entrevista de Euli Fernandes Tortorelli, em 25/02/2002.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAMO, Helena. W. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. Revista Brasileira de Educação. São Paulo: ANPED, número especial n. 5-6, p.25-36, 1997.
CARRANO, Paulo César Rodrigues. Juventudes: as identidades são múltiplas. Movimento: Revista da Faculdade de educação da Universidade Federal Fluminense, Niterói-RJ: n. 01, p.11-27, maio de 2000.
HOBSBAWM, Eric. J. A era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). 2a ed. Trad. de Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre (orgs). História: novos objetos. 4a ed. Trad. de Terezinha Marinho. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 1995.
LEVI, Giovanni & SCHMITT, Jean-Claude (orgs). História dos jovens I: da antiguidade a era moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
______________________ (orgs). História dos jovens II: a época contemporânea . São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
Fonte: www.proec.ufg.br

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